Hoje me deu uma tremenda vontade de me empanturrar de doces. Não sei porque. Doce em excesso faz mal à saude. Enquanto me decidia se ia ou não me entregar a essa vontade, lembrei de pessoas que também me lembram doçura.
Não é que me esqueci dos doces materiais e preferi ficar com os doces espirituais.
Uma das maiores dificuldades hoje em dia para quem milita em teatro é achar um bom texto.
Tenho amigos dramaturgos, não muitos, mas tenho. Só que estou procurando algo diferente, algo que meus outros amigos dramaturgos talvez não tenham.
Há tempos, descobri, através da internet que um velho amigo, ator e dos bons, já tem alguns livros publicados. Conhecemo-nos na AIC. Ele era do primeiro time de atores e eu um principiante que ainda estava lutando para aprender alguma coisa de dublagem. Eram ainda aqueles tempos em que a dublagem só dava dinheiro para os patrões. Igualzinho a hoje, só que naqueles tempos o pagamento (!?) pela dublagem era muito pior. Ops, não quero tergiversar a respeito desse assunto, deve ter gente que acha que a dublagem paga muito bem. E o assunto é a respeito de pessoas doces. Continuemos, pois.
Tinha chegado à AIC um seriado, "O Homem de Virginia", e o meu amigo dublava o próprio. Estou falando do Wilson Ribeiro, e prefiro tratá-lo por esse nome, apesar de saber ser um pseudônimo. Normalmente os cabeças de série ganhavam muito mais em relação aos seus coadjuvantes, uma vez que sua participação era maior. Eu ganhei um fixo nessa série, o Ryker, que vinha a ser o ajudante do xerife de Shilo, a cidade onde se passava tudo nessa série. Nos três primeiros episódios dessa temporada, minha participação foi pífia. No quarto, nem entrei. Mas era o único trabalho que a casa estava tendo. Maldições mil, fazer o que?
O Wilson pacientemente encorajava o ator que estava aprendendo; dublagem é assim mesmo, tem muito num dia e nada no outro. Do quinto episódio em diante, aquele coadjuvante cresceu na série e se manteve assim até o final, pelo menos durante o tempo em que ficou na AIC. Nos botecos que frequentávamos, o Wilson falava do seu desejo de ficar rico. Cada dia era um plano, que ele expunha detalhadamente; não tinha como dar errado. O Wilson estava predestinado a ficar rico, mas fora da dublagem. Isso ele pensava. Um dia o Wilson se afastou da dublagem para montar sua própria industria. Só o vi uma ou duas vezes depois disso e a vida seguiu seu curso.
Eu continuei e fui acumulando experiências, umas boas, outras más. Agora uma pausa que vou trocar de doce.
Eu estava ainda em São Paulo, quando recebi o melhor presente da minha vida. Era dia de pagamento na empresa onde trabalhava, fazia espetáculos de bonecos vivos. Apesar de dia de pagamento, tínhamos dois espetáculos no Colégio Arquidiocesano de São Paulo, na Vila Mariana. Fim de mês, ator fica duro que nem côco; e no intervalo do primeiro para o segundo espetáculo, vi as funcionárias encarregadas da folha de pagamento... assistindo ao espetáculo. Ainda precisaríamos ir até a séde, após o espetáculo, para assinar recibos, saber quanto teríamos a receber, para depois ir ao banco. Pela hora, não ia dar de jeito nenhum. E era sexta-feira. Um fim de semana todinho sem grana. Ainda não existiam caixas eletrônicos; não recebeu até sexta, só na segunda. Mas veio também um recado do Libero Miguel, que era o diretor: todo mundo na séde após o espetáculo. Era uma ORDEM.
Fêz-se o espetáculo e, bom, vamos obedecer à ordem. A condução era difícil, não tinha nenhuma direta. Quando estou entrando na séde, veio o outro doce: a Nair (Nair Silva, excelente atriz, brilhante dubladora). A Nair já chegou dizendo: - "Chico, só faltava você!"
Eu estava preocupado com o pagamento, porque o banco daí a pouco ia fechar. A Nair me pegou pela mão e disse: -"Vem cá!"
Eu, aparentando displicência, disse: -"Mas eu não fiz nada... ainda."
A Nair disse: - "Não é o que você fêz; é o que vai fazer!"
E eu recebi então o maior presente que Deus me deu. Ela sabe o que é.
No orkut acabei reencontrando primeiro a Nair e depois o Wilson Ribeiro. Fazem parte dos meus amigos de coração. Não sei se o Wilson Ribeiro ficou milionário de dinheiro, como pretendia.
Mas pelos e-mails que temos trocado, ele ficou milionário de uma coisa que vale muito mais que dinheiro; tem um excelente caráter e um belo saldo com Deus.
Não vejo a Nair Silva há uns dez anos; também ela deve ter também um bom saldo com Deus.
Ah, pedi para o Wilson escrever algo para teatro. Sabem o que êle disse: não, não é sua praia.
Enquanto não consigo convencê-lo, senti um enorme prazer em me lembrar de 2 pessoas docíssimas. Se fôsse diabético, estaria tendo problemas seríssimos por excesso de doçura.
Mas seria uma tremenda falha de caráter da minha parte se não reconhecesse o quanto essas duas pessoas fizeram por mim
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